A minha vida é servir. Gosto de ver a casa limpa, a comida a fumegar nas panelas, a roupa pendurada a secar…gosto da minha família. A vida aqui por casa deu uma grande volta, desde que o meu genro deixou a sua faina de pescador para seguir um grande Mestre, que dizem ser enviado por Deus. Cada vez que vem a casa, paramos tudo o que estamos a fazer, para ouvi-lo contar os relatos dos milagres e das palavras do Mestre.
Hoje não me sinto bem. Há já alguns dias que tenho esta dor profunda nas costas, uma tosse teimosa e uma fadiga inexplicável. As noites são difíceis de passar, porque não quero incomodar o resto da família. A febre subiu. Passei a ver as coisas como se estivessem envoltas numa nuvem. De vez em quando caio num torpor inexplicável. Nenhuma das mezinhas costumeiras resulta, já tomei todos os chás que as vizinhas acharam me fariam algum bem.
Ouço vozes, falam baixo, mas são muitas vozes e acima de todas sobressai a voz do meu genro Simão, a quem o Mestre agora passou a chamar de Pedro. Levanta a cortina da entrada do quarto e olha para mim como que a pedir desculpa pelo alvoroço. Fecho os
olhos outra vez. A febre não me deixa tê-los abertos muito tempo.
De repente sinto uma mão forte a segurar a minha. Abro os olhos com dificuldade, mas o homem que está na minha frente é o Mestre, Ele mesmo! Sorri com um sorriso que lhe enche todo o rosto, nem sei se começa na boca ou nos olhos. Continua a segurar-me a mão e, com a outra, toca-me na testa febril. De repente, o quarto enche-se com a frescura da Primavera e sinto a vida, a força, a energia a voltar ao meu corpo enfraquecido. A tosse parou, a dor desapareceu. Ele continua a sorrir enquanto sai do quarto. E eu, que estou eu a fazer na cama, quando há tanto para fazer, agora que tenho a casa cheia de visitas?
Levanto-me de um salto, visto a túnica, ponho o avental e vou servi-los.
De facto, servir é a minha missão!
Sarah Catarino